(PT) O fosso geracional em Portugal e a crise consequente
A partir de Conan Osiris —’ quem mandou a felecha fui eu’
A culpa é minha, porque é que eu fui falar?
Às vezes nem a noite nem Deuses
Nem diabos nem ateus
Nem a terra nem os céus querem resolver
O meu problemaÀs vezes nem o dia nem a luz
Nem o sangue nem o pus
Nem o fogo nem a cruz querem resolver
O meu problema…E o problema é —
Eu adoro bolos
Mas podia ser outra coisa qualquer. Contudo, a questão é o verificar que os problemas que assumimos são superficiais. É inevitável, somos demasiado pesados na forma de viver. Pesados no sentido de colocarmos peso por vezes desnecessário em coisas praticamente irrelevantes.
Somos insustentáveis e carregamos em nós uma dor geracional que vem do tempo do Camões. Essa saudade e nostalgia que nos abraça levemente ao cairmos no nosso sono vespertino tardio é incompreensível, apesar de a sentirmos tão real.
Como podemos nós, portugueses de várias idades e feitios, largar esse peso quase milenar, para sermos os modernos que estamos destinados a ser?
Eu parti o telemóvel
A tentar ligar para o céu
Pa’ saber se eu mato a saudade
Ou quem morre sou eu
Os comentários sobre Conan Osiris replicam-se em matérias várias, como se a discussão não se esgotasse na sua música. Na Antena 3 falavam há dias que o Festival da Canção está a tomar novamente o seu espaço em Portugal (Programa «Precisamos de Falar» de 3 de Março de 2019 ). Espaço de discussão de música, sobretudo, dizem eles. Não considero que a discussão ao redor do Festival da Canção seja ‘sobretudo’ pela música. Mais, os radiofonistas diziam que os fãs de Conan Osiris tinham por ele uma admiração musical, como qualquer fã, e que não sobressaía nenhuma outra mensagem idealista daquilo que ele é. Será? Considero inegável aquilo que o Conan Osiris despoleta na audiêncuia, seja fã, seja hater. E não creio que se possa negar isso, nem sequer que se possa dissociar a mensagem da música, explicitamente visível na composição da letra. Não viram a letra? Não a leram? Não a compreenderam?
Isso é negacionismo
“Ele merecia era levar com uns ovos na cabeça.”
“Se eu o visse na rua, eu sei lá. — #!@£§# — ”
Creio que, mais uma vez, e, na minha opinião, cada vez mais, estamos a trilhar um fosso geracional. Entre a ‘geração rasca’ e a ‘geração à rasca’. Não apontando o dedo à Antena 3 (pois não é exclusivo mensageiro), toda a comunicação social portuguesa premeia esta propaganda, este quasi-saudosismo. Entre a ‘geração à rasca’ e a ‘geração rasca’ há, agora sim, sobretudo, uma forte relação familiar, entre pais e filhos. Se os ‘rascos’ são os que não têm canudo, e os ‘à rasca’ são os que os têm mas que lutam bravamente para ter uma vida, então, quem são os outros?
Mas a culpa é minha
Pakek eu fui falar
Só ‘pa te tirar do sério
Só ‘pa te tirar sossegoA culpa é minha
Pakek eu fui falar
Pakek eu te dei chamego
A culpa não é tua
Eu é que sou borregoA culpa nunca foi tua
Eu é que sou borrego
Os outros
Os outros são todos aqueles que permitiram que um país se construísse à força da força, pela ‘geração rasca’, e que continuam a permitir que esses liderem os nossos destinos futuros APESAR do conhecimento.
Os outros são todos aqueles que permitem que os jovens licenciados, mestrados, doutorados e pós-doutorados sejam iludidos com uma vida aparentemente difícil, esforçada, quase sem esperança, contrária àquilo que valem e contrária a tudo aquilo que aprenderam nas suas mais variadas carreiras académicas.
Esses outros são diferentes.
Excetuando esses ‘outros’, este fosso entre as duas gerações referidas é bem patente. Um bom exemplo é o abandono e descrédito que a ‘geração à rasca’ está a cunhar ao facebook versus a adoção em massa de todos os outros, ‘geração rasca’ incluída, da mesma plataforma.
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O mundo dos negócios está a mudar a velocidades sem precedentes, quer se queira quer não, quer se acredite quer não, quer se faça caso, quer não. É impressionante as várias faces do negacionismo entre as duas gerações também sobre esse assunto. E nunca antes o conhecimento foi tão injustamente questionado.
Leia-se o seguinte, o conhecimento vive da dúvida, das infinitas questões, de ser posto à prova, de avanços e de progresso. Essa é, e deve continuar a ser, a ferramenta dos seus literados. O status quo vive da certeza, de assunções e preconceitos, de regras previamente estabelecidas, de ordem e de obediência, de manutenção do estabelecido e da continuação da situação presente — não procura progresso, estimula a homogeneidade em geral, usa a morte da imaginação e da criatividade para se manter vivo. Essa é a ferramenta dos pedantes e dos velhos. Pois só um velho precisa da morte do mais novo para se manter vivo, ou jovem, ou moderno. Um morto não precisa de nada.
Assim, a crítica que se faz a Conan Osiris é a crítica que se faz ao que é diferente. E só numa sociedade igual, pouco democrática, antiquada, saudosista e pouco esperançosa é que se critica o diferente. É no diferente que recai a esperança dum futuro melhor. Os mesmos métodos terão os mesmos resultados. Não se poderá esperar nada de melhor se se continuar a promulgar o mesmo. Métodos iguais, erros e sucessos iguais.
Certo é que ninguém é igual a ninguém. Certo é que somos todos únicos, apesar de sermos todos humanos. De que modo é que poderemos aceitar que desprezem aquilo que em nós é único, colocando uma pressão extenuante na extrema vontade que nos tornemos iguais entre nós, iguais perante uma norma estabelecida sem sequer nos consultarem?
Resumindo, o fosso geracional tem 3 componentes principais:
- ‘Geração rasca’ — os pais
- ‘Geração à rasca’— os filhos
- Os que sempre mandaram nos pais e que agora vão fazer tudo para mandar nos filhos
O sal que te abre a ti não abre a pele deles
E o frio que mata aí não mata a mãe deles
E a fome que há aí não mata o pai deles
E o corpo do teu filho não pesa
Nas mãos deles…!
Eu vejo a merda que sai das mãos deles
E eu vejo-te a ti
Os jovens são a ferramenta última do status quo e essa ferramenta é permitida pela obstipação criativa dos mesmos jovens. Essa obstipação não é nenhuma ferramenta, mas toma a forma de condição sina qua non para a permanência do status quo. Só com a prisão da criatividade e com o silêncio da imaginação é possível domesticar a mente selvagem de um jovem e pô-la ao serviço de um sem número de instituições — empresas, partidos políticos, organizações várias, etc — que se querem iguais, para sempre iguais, com as mesmas virtudes, com as mesmas regras, defeitos, e com os mesmos poderes, que se vão tornando autoritárias, invariavelmente. Para tal, todos os jovens terão que ser, para sempre e desde sempre, iguais, obedientes, conformados. Não há liberdade no status quo.
Não podemos permitir que se torne uma auto-obstipação.
Isto é o problema da modernidade. O fosso geracional cria anti-modernos nas duas gerações. Na geração mais velha, é algo tão natural como a resiliência do tempo à mudança. Mas na geração mais jovem, essa é a facada mortal. Quando temos velhos de espírito, saudosistas, conformados, defensores do status quo por entre as fileiras da ‘geração à rasca’, o problema fica quase irreversível.
Um país em que os jovens se sentem presos, sem escapatória e sem esperança, é um país sem futuro. E o futuro é a continuação da vida presente para todas as gerações. Eliminando a liberdade, a imaginação, o sonho, a criatividade e a esperança dos jovens, estamos a matar o nosso futuro, o futuro de todos.
Nós não somos a ‘geração à rasca’ porque temos ou vivemos com dificuldades. Esse é somente o nome que nos deram. E quem nos deu esse nome é aquele que, seja mensageiro ou emissário, nos quer assim para sempre: sem esperança, sem imaginação, sem criatividade, velhos, mortos.
Nós somos só a geração que vai:
- limpar o país
- restaurar os ideiais de Portugal
- modernizar o estilo de vida
- aceitar e promover a diversidade de pessoas e culturas
- criar uma sociedade mais inclusiva, justa, respeitável e ética
- trazer o valor da felicidade para o cerne da vida
Oh mor oh mor
Solta os cães e traz o lixo
Oh mor oh momor
Vou te comprar um cochicho
E vamos fazer isto quer queiram quer não. Essa é a verdade. Essa está a ser a verdade. Essa vai ser a modernidade que vai recolocar a democracia e Portugal no centro do mundo, novamente. Mas desta vez sem ser à custa de outrem.
Esse tempo já era. Esse tempo é velho. Essa época foi demagoga.
Agora é tempo de se erguer o novo Portugal, e esse país já cá está.
E se eu partir o telemóvel
Eu só parto aquilo que é meu
Tou para ver se a saudade morre
Vai na volta, quem morre sou eu
(…)
Eu partia telemóveis
Mas eu nunca mais parto o meu
Eu sei que a saudade tá morta
Quem mandou a flecha fui euQuem mandou a flecha fui eu
Fui eu
Relatos de Portugal em português. são míseros esboços dum qotidiano tão singular e único como qualquer outro. num país qe vive esquecido. dum país qe prospera e desespera. qe permanece sereno num passado arrastado. qe espera voltar a ser o qe era outrora se outrora esperar. ora em diante fora de contexto. mares e terras e pobres e descalços e batidos e (des)sonhos. Tento resgatar o modernismo na forma de viver, qe é na expressão qe mais nos damos à existência.
Cristiano Pedroso-Roussado — here