(PT) Acreditar é uma opção (parte 2)

Ter sucesso é um resultado

Pedroso-Roussado
7 min readFeb 4, 2018
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Na Parte 1 há como que uma introdução, e uma ligeira primeira exposição sobre esse português de sucesso chamado Kwame Ferreira. Aqui se continua o comentário.

O Kwame é o porta-voz, digamos assim, da empresa Impossible. Na página principal do grupo está a apresentação de quem são e do que fazem

We are a group of people who have come together to help solve meaningful problems and guide global change. Cancer diagnosis. Fake news. Bots in the work place. Creative self. Opaque supply chains. Fair insurance. Emotional connectivity. Building communities. Refugees’ reality. Remittances. Global world heritage. Waste in fashion. Blockchain and ownership.

We have an amazing time doing it.

É possível subsistir nesta modernidade hiper-competitiva fazendo “isto”? Hum, sim. O Kwame diz que não têm muitos clientes na Impossible, mas têm as maiores empresas do mundo a entrar-lhe pelas portas virtuais adentro pedindo projetos, disrupção, valor, novidade e lucro futuro. Atenção que valor não é o dito valor acrescentado monetário tão apanágio das conversas de networking dum qualquer evento de empreendedorismo num beco de Lisboa, e sim, o valor humano — aquele que realmente interessa.

O que é isso de valor acrescentado? O que é isso de criar valor? Não sei o que vocês pensam sobre isto, mas cá eu já estou a ficar farto do mito do empreendedorismo e da senda máxima dessa moda. Facto é que, nas inúmeras visitas que prestei a incubadoras e afins, a maioria dos empreendedores são filhos mimados de pais ricos que se estiveram pouco a marimbar para a sua educação. É aquele tipo “que sa foda” que amolece, que adoece, que contagia o pobre que luta, e que prejudica o bom uso das infraestruturas do nosso belo ecossistema. Esses não têm risco, pois não arriscam, não assumem responsabilidades porque o dinheiro é causa comum e consequência eternamente presente nas suas vidas. Esses apodrecem o Portugal, que se arrasta de corrupto em corrupto. Enquanto um pobre luta, um corrupto rouba. Enquanto um pobre trabalha, um rico ocupa os lugares que não lhe são destinados.

Contudo, não existe qualquer relação entre riqueza, corrupção e destino. Somos as lutas que herdamos, e somos também as lutas que conquistamos. Pobreza e riqueza são outra coisa. Para quantos pobres existe um rico? A estatística é assustadora. E, como nota final desta nota acessória, deixo aqui uma medida que as B Corp fazem para mitigar este gap triste entre ricos e pobres: nas empresas certificadas como B Corp, a remuneração mais alta que pagam não pode ser mais do que quatro vezes superior do que a remuneração mais baixa. Isto quer dizer que, em Portugal, com um ordenado mínimo ao redor dos ~750€/mês, nas empresas B Corp ninguém pode receber mais do que ~3000€/mês; ninguém. Isto tambem diz que, se o mais pobre receber mais, o mais rico tambem befeciará com isso. Que medida utópica… enfim.

De volta ao Kwame Ferreira e à Impossible. E à auto-perceção de que somos capazes, daquilo que cada um de nós deve ambicionar; é um dever mesmo, isto porque a nossa vida é só uma, e devemos vivê-la, ao nosso jeito, ao nosso estilo, seja de que maneira for, seja como for. Dentro da lei, ou divagando nela sem a corromper, sem prejudicar os outros nem fodendo este país que, doente, teima em sobreviver e viver, devemos assumir toda a nossa expressão simples e complexa da essência que nos sentimos ser.

We think the future should not be inevitable. It should be desired before it is created. These are our thoughts on how to achieve that.

Talvez devesse lançar uma Parte 3, e deixar a restante entrevista para depois. E faço-o para vos contar um dos trabalhos que a Impossible fez, o WikiTribune, [UPDATE] um projeto de evidence-based journalism. Então, mas, não é todo o jornalismo baseado em evidência? Será? Sinceramente, odeio todo a comunicação social portuguesa, e considero que toda ela percorre as ruas da amargura. Não consigo não o fazer, são demasiados casos…

O WikiTribune foi um novo tipo de plataforma de notícias que combina jornalismo profissional e verificação de factos em crowdsourcing. O projeto foi realizado num workshop que durou 4 dias onde uma equipa multidisciplinar composta por jornalistas profissionais, voluntários wiki, designers e engenheiros da Impossible (liderados por Jimmy Wales) trabalhou em conjunto para cristalizar e testar o conceito.

O desafio consistia em criar um modelo de jornalismo profissional de trabalho cooperativo. Desta maneira, crê-se que, no futuro, equipas mistas seriam as responsáveis por produzir histórias baseadas em evidência, verificadas, traçando uma agenda de noticiário global.

O WikiTribune é concetualizado numa plataforma que coloca o ênfase no topo. A paisagem deste meio de comunicação social é já composta por jornalistas-cidadãos, jornalistas-participativos, membros da comunidade e leitores regulares. Todos eles atuam como niveladores da imprensa mainstream, ajudando à curadoria das notícias.

Vou acabar esta Parte 2 com um comentário sobre as seguintes palavras do Jimbo Wales:

My goals are pretty easy to understand, but grand in scope (more fun that way, eh?): to build a global, multilingual, high quality, neutral news service. I want us to be in as many languages as possible as fast as possible. I want us to be more concerned with being right than being first. I want us to report objectively and factually and fairly on the news with no other agenda than this: The ultimate arbiters of the truth are the facts of reality. That’s agenda enough to keep us busy.

UPDATE — No entanto, este projeto foi arquivado e algo correu mal, para ter terminado abruptamente dois anos depois de ter comecado — ler mais neste artigo do WIRED.

Comentário final

Ora bem, a simplicidade é uma característica que todas as pessoas precisam de ter quando se dispõem a comunicar. Os ouvintes podem ser tão complexos como um idoso, um especialista de uma matéria, ou uma criança de 5 anos. Todas as pessoas são complexas, e o desafio da comunicação é passar a mensagem que se quer transmitir independentemente de quem ouve, ficando sempre dependente da compreensão de quem são os ouvintes. A comunicação não tem paredes. A comunicação não age para paredes nem portas.

Simples não significa pobre, pequeno, inútil, nem desprezado. Há por aí a ideia (nova?) de que o novo paradigma do design é tornar as coisas simples. É nesse traço de simplicidade que se trata aqui. Simples e neutro, que hoje todos temos muita dificuldade em não tomar uma posição. Há que também ser neutro, e permitir uma avaliação neutra das coisas, deixando de lado a nossa visão, as nossas emoções, aquilo que somos como pessoas, o nosso umbigo. Os tempos modernos também precisam de menos umbigo. Nós não somos assim tão importantes quanto isso. Somos a importância que temos, nada mais, nada menos.

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A sermos rápidos e imensos seremos na medida em que somos nós próprios, nessa necessidade primeira de gritarmos ao mundo o que somos, fazendo não mais que isso e rejubilando com tudo o que nos vier ao encalço em consequência dessa nova e perfumada atitude de vida. Eu preciso muito de me deixar ser. Há que ser. Primeiro que tudo, temos que nos deixar ser aquilo que somos. Pode custar muito, mas é a dívida que pagamos por estarmos vivos. Custo de nos permitir-mos ser. Custo de termos que acatar com a responsabilidade do que advier daí — custo do que somos.

A realidade é inegável, como o é a nossa interpretação dela. A realidade é factual, a nossa interpretação nem sempre. Certeza só há na primeira, quer a vejamos quer não. Certeza da nossa interpretação não a temos e é estúpido a defendermos perante o outro, pois os outros sofrem do mesmo dilema. Não há interpretação certa, há factos, há realidades, há compreensão mútua como desejo e consequência, no fim. Compreender a realidade é percebermos os seus factos, e as interpretações uns dos outros.

E isso é uma agenda que não faz mal termos. É a nossa, desprendida, definida por mais ninguém a não ser o nosso âmago e expressa por todos os meios possíveis, meios que percebemos que temos, que nos contam a capacidade de esboçar num qualquer rabisco tosco numa folha branca vazia.

A vida é, por sinal, toda essa folha branca vazia.

Riscá-la hoje, já, agora, sempre, para sempre.

Relatos de Portugal em português. são míseros esboços dum qotidiano de um singular único como qualquer outro. num país qe vive esquecido. dum país qe prospera e desespera. qe permanece sereno num passado arrastado. qe espera voltar a ser o qe era outrora se outrora esperar. ora em diante fora de contexto. mares e terras e pobres e descalços e batidos e (des)sonhos. Tento resgatar o modernismo na forma de viver, qe é na expressão qe mais nos damos à existência.

Cristiano Pedroso-Roussado —here

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